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terça-feira, 12 de agosto de 2014

Sobre o que não somos

Com certa frequencia me ocorre perceber certa estranheza nas pessoas. Não é simples diferença ou peculiaridade, é algo a mais, mais profundo. Anormalidade talvez seja o termo correto. É como se houvesse algo em cada uma delas que não deveria estar ali. Em cada um isso se manifesta de forma distinta. Às vezes fica visível no olhar, outras no modo como sorri ou simplesmente em traços e pequenas ações. São particularidades que me causam desconforto, sinto que ali falta a própria essência humana. É isso que sinto, como se as pessoas fossem menos humanas.

São momentos em que ficam visíveis as superficialidades que escondem o verdadeiro eu de cada um. Acredito que seja essa a questão:  nas relações sociais, por mais próximos que sejam os sujeitos que interagem (familiares ou grandes amigos), existe sempre a tentativa ininterrupta de esconder algo. A anormalidade não é, nesse caso, ser diferente do normal. Pelo contrário, essa superficialidade que fica visível às vezes é exatamente a tentativa de ser normal, no pior sentido da palavra. É o reflexo da constante luta interna por se adaptar ao mundo, por abdicar do que somos para conseguirmos ser aceitos.

A impressão, nessas ocasiões, é de sorrisos contidos, palavras calculadas, simples ações que são pensadas antes de praticadas, e essa retenção, essa tentativa de mecanização,  nos transmite enorme distanciamento da verdadeira identidade da pessoa. Me pego também, é claro, regulando sentimentos, escondendo angústias, programando cada ato, como se ser humano fosse uma fraqueza, quase inaceitável.

Talvez seja por isso que as relações sejam tão inconstantes. Daí, quem sabe, vem essa dificuldade do mundo moderno em estabelecermos ligações concretas e duradouras com outros. Nos preocupamos tanto com o modo como vamos agir que esquecemos de demonstrar quem somos. Falta esse toque de humanidade nas relações.

As artes que valem realmente a pena, como algumas pinturas e músicas, são aquelas que nos transmitem os mais humanos dos sentimentos. São as que desmascaram todo o melindre social, ultrapassam as barreiras que erguemos sobre nossas personalidades verdadeiras e nos tocam no âmago, aquecem o coração.

Já disse uma vez que o homem é um eterno poderia ter sido. E acho que isso se deve ao medo de nos conhecermos a fundo, de olhar no espelho da alma e fazer dela nossa face externa. Transformamos nossos corpos em nossas prisões, e aí há pouca esperança de abraços sinceros, conversas francas e amores verdadeiros. Nos tornamos de plástico, e plástico derrete se queimar demais.
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