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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O mundo de Francis Bacon – quando a via crucis é a própria vida.





Antes de começar a coluna quero avisar: não sou estudante em específico de Artes Visuais, História da Arte ou similares, sou somente um amante. Se algum estudante ler a coluna e se sentir ofendido com o conteúdo dela e quiser criticar sinta-se livre, tentarei reparar os erros. E, como todo amante acha que entende do seu objeto de amor (no caso uma fixação) e resolve ler e pesquisar sempre o que o agrada, recentemente comprei o livro “Tudo Sobre Arte”de Stephen Farthing e Richard Cork da Editora Sextante. Em uma leitura rápida me deparei com Francis Bacon, o pintor e uma de suas obras: “Três estudos para uma crucificação”. Fiquei fascinado.

(cliquem para visualizar melhor)

Criei a coluna para criar discussão, fazer da arte não só objeto de estudo de estímulo visual, mas também sociológico, histórico e filosófico. Porque as artes visuais, assim como a literatura, tem essa abrangência, mas poucos param para fazer ligações entre quadros/esculturas/instalações e temas que problematizam muitas vezes a realidade de muitos.

Não quero fazer uma análise, mas acabarei fazendo sem nem perceber. Primeiro: a tela é chocante. Corpos retorcidos, cores quentes que transmitem violência e mutilação – algo que agrada esse aqui que vos escreve. Fui pesquisar além do livro sobre a vida do pintor, que é parente colateral de outro Francis Bacon, o filósofo.

A tela de Bacon assume um tom mais do que assustador quando conhecemos o homem por detrás da dela. Homossexual assumido, expulso de casa pelo pai – um oficial do exército e treinador de cavalos (animal esse que Bacon era extremamente alérgico) – quando revelou sua sexualidade. A tela “Três Estudos para uma crucificação”, de 1962, pode narrar toda a dor do filho diante do genitor que o maltrata. A figura de rosto maldoso no canto da tela, o homem que olha com certo asco para o corpo mutilado do centro, pode ser o pai de Bacon. Teorias que fazem com que toda a obra seja repensada. Seria Bacon o corpo mutilado? Seria ele a figura central que aos olhos do pai é somente um monte de carne morta? Especulações.

É verídico que muitos pais fazem isso com seus filhos quando descobrem a sexualidade que por anos eles são obrigados a reprimir. Não vou me posicionar sobre questões sexuais aqui, mas sim expor esse fato, que pais maltratam filhos por algo simples, que é a aceitação de como eles são. Não precisa gostar, mas respeito sim, todos devemos. E não só com gays, mas com negros e pessoas que têm doutrinas espirituais diferentes da nossa - respeito é o alicerce de qualquer relação social.

No quadro, o sangue é natural – afinal humanos não são feitos disso? E há sangue! As paredes vermelhas ao fundo intensificam ainda mais o horror dos corpos expostos como se fossem somente pedaços abatidos de um animal. Nossos pedaços abatidos em um lugar qualquer, expostos em sua totalidade e fraqueza para quem quiser cuspir em nossos restos. A mortalidade em sua máxima de violência e asco. Morreremos assim, sentido a culpa de sermos o que sermos (deformados!) enquanto o mundo que também é feio nos rotula, julga e depois nos vira o rosto? Bacon nos apresenta a delicadeza de nossa vida – e de como ela pode nos ser tirada com facilidade.

O termo crucificação remete ao mártir-mor do nosso mundo moderno: Jesus Cristo. O que foi crucificado e renasceu. O que também não foi perdoado pelos seus. Mesmo sendo ateu convicto, Bacon utiliza temas cristãos em suas telas: uma simples contradição. Porque a arte é feita de contradições, é transformar o horror das deformações e mutilações em beleza. Em óleo com areia sobre tela, dividido em três. Mas antes da crucificação tem a via crucis, o caminho da cruz. Só por usar o termo para dar nome ao seu quadro Bacon evoca sua própria via crucis (mesmo não alegando isso). Sua tortura pessoal; sua vida. As chicotadas que sofria do pai para “aprender a ser homem”, mas Bacon sempre foi homem. Porque ser homem é saber aguentar as consequências e viver conforme suas próprias doutrinas. E sua arte permanece até hoje para provar que o homem que foi Francis Bacon sobre carregar sua cruz – caindo três vezes mais se preciso fosse para sobreviver.


Lucas Rodrigues Nascido no inverno de 92, cursa Letras, mas pretende cursar em breve História da Arte. Ama metal como ama artes plásticas, cinema, preto&branco, livros manifestações culturais populares e musicas regionais. Escuta um pouco de tudo - assim como escreve. Só não sabe se descrever.

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